segunda-feira, 8 de maio de 2017

Revolução na neurociência


Revolução na neurociência
Perturbações mentais

A cooperação entre diferentes disciplinas está a facilitar a exploração do cérebro sem que seja necessário “destapar os miolos”.

Sopram novos ventos no campo da neurociência. Os estudos que procuram identificar os neurotransmissores e circuitos neuronais envolvidos no funcionamento do cérebro ajudam a compreender melhor o que falha, quando surge um distúrbio mental. A psicoterapia e a bioquímica surgem como as duas faces da mesma moeda. Além disso, a genética avançou muito, para conseguir localizar genes associados a doenças complexas, como a esquizofrenia, o distúrbio bipolar, a depressão crónica ou a doença de Alzheimer. Por seu turno, a farmacogenética permite criar tratamentos personalizados e encontrar a medicação mais eficazes para cada paciente, assim como prever possíveis efeitos secundários.

Por outro lado, as técnicas de imagiologia ( exame de imagem) permitem ver o cérebro em acção e estudar os mecanismos que regem o comportamento e o pensamento. A IRMf (ressonância magnética funcional), a PET (tomografia por emissão de positrões) ou a SPECT (tomografia computadorizada por emissão de fotão único) transmitem em tempo real as rápidas alterações fisiológicas e neuroquímicas que ocorrem no interior da cabeça. No futuro, poderão servir para diagnosticar uma alteração psicológica do mesmo modo que se utilizam radiografias para confirmar uma fractura num braço.

Herdamos e acrescentamos

A psiquiatria procura nos factores (hereditariedade e ambiente) a causa para o aparecimento de diversos distúrbios mentais. “Os factores genéticos conferem vulnerabilidade mas não servem para explicar uma disfunção cerebral. Para se poder entender qualquer característica complexa do ser humano, é preciso considerar, em simultâneo, o efeito dos genes e do ambiente.

Embora possamos vir com uma certa predisposição para sofrer de uma doença, tudo o que nos rodeia, desde a fase no ventre materno, pode fazer-nos adoecer ou manter-nos saudáveis. Nas fases críticas do crescimento, o mecanismo cerebral poderá ser afectado, a longo prazo, por elementos circunstanciais, como uma infecção nos primeiros dias de vida ou até mesmo, o alcoolismo da mãe durante a gravidez.

Por exemplo, os maus-tratos na infância, fase crítica para o desenvolvimento do cérebro, provocam um aumento dos níveis de cortisona ( a hormona do stress). Quando a situação se prolonga, esta hormona pode produzir lesões irreparáveis no hipocampo ( sede da memória)  e na amígdala ( centro regulador do comportamento sexual, comportamento agressivo e respostas emocionais)  zonas encefálicas relacionadas com o controlo dos impulsos, e dar origem a distúrbios psíquicos na idade adulta. Em suma, os problemas mentais de um indivíduo que foi maltratado na infância devem-se, em parte, à ferida anímica e, por outro lado, a lesões químico-orgânicas no cérebro.

Pelo contrário, os "mimos" que se podem dar, nos primeiros dias de vida protegem do stress e garantem, por conseguinte, uma melhor saúde mental. Na experiência, conduzida com ratos, observou-se que aqueles que eram alvo de mais cuidados maternos, cresciam melhor preparados para enfrentar situações aflitivas, pois a atenção recebida aumentava o número de receptores no hipocampo.

Soltem a serotonina!

“A conversação quotidiana entre neurónios, que possibilita funções tão complexas como a linguagem ou a memória, é levada a cabo através de mensagens enviadas por mensageiros químicos: o sistema de neurotransmissores do encéfalo”, explica a neurocientista Nancy Andreasen em "Um Cérebro Feliz". De todos os neurotransmissores, o mais estudado até agora tem sido a serotonina, pois desempenha um papel crucial na depressão e noutros distúrbios afectivos. A sua função é estimular a formação de ligações, ou sinapses, entre neurónios, em zonas do cérebro encarregadas de regular o estado de humor, o apetite, o desejo e o sono.

Essas ligações neuronais devem estar de boa saúde e existir em número suficiente, para o indivíduo poder reagir de forma adequada em situações de stress. Quando os níveis de seratonina no cérebro são insuficientes, surgem sintomas de depressão. O objectivo de antidepressivos como o Prozac (inibidores selectivos de recaptação da serotonina, ISRS) é blo­quear os receptores neuronais que absorvem essa substância do espaço sináptico para gerar mais serotonina libertada no cérebro.  Quando o tratamento funciona, estimula a neurogénese (criação de novos neurónios), processo que pode demorar várias semanas e que se destina a reforçar a actividade dos circuitos encefálicos.

Embora a depressão seja uma das doenças mais incapacitantes, o seu tratamento ainda deixa muito a desejar. Além dos possíveis efeitos secundários, o maior inconveniente dos actuais antidepressivos é que demoram entre duas e três semanas a actuar e não são tão eficazes como seria de esperar. Menos de metade dos afectados experimenta um alívio total dos sintomas com a medicação, segundo o psiquiatra Walter Brown.


As técnicas de impulsos eléctricos sao uma invoção, como a estimulação cerebral profunda, utilizada em casos da doença de Parkinson e outros problemas motores. Encontra-se também em fase experimental para tratamento da depressão e do distúrbio obsessivo-compulsivo. Através de uma operação com anestesia, o cirurgião faz dois orifícios no crânio do paciente para colocar um par de eléctrodos ligados a cabos finos que unem a cabeça ao peito, passando por baixo da pele. Ali, é colocado um gerador eléctrico do tamanho de um pacemaker, o qual envia constantemente sinais ao cérebro, para este recuperar o seu normal funcionamento.

Por outro lado, as novas técnicas de neuro­imagem, que detectam os padrões de actividade anormal nas redes neuronais, permitiram um grande avanço na compreensão das alterações psicológicas e serviram, por exemplo, para localizar no córtex pré-frontal uma zona (a área 25) relacionada com a depressão.

Houve também progressos no conhecimento do distúrbio de personalidade anti-social. As experiências do psicólogo canadiano Robert Hare demonstram que os psicopatas sofrem de uma incapacidade orgânica para distinguir os estímulos violentos dos neutros, e não conseguem associar uma carga emocional a determinadas realidades. As zonas cerebrais que são activadas nestes indivíduos, quando lhes é mostrada uma imagem de um crime sangrento são as mesmas do que quando observam um objecto irrelevante, como uma mesa. O problema para se poder avançar neste campo, é que necessitamos que as coisas sejam estáticas para as podermos estudar; pela sua plasticidade, o cérebro está sempre a mudar em termos moleculares, e nunca chegaremos a conhecê-lo por completo. 

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