terça-feira, 26 de julho de 2016

Viver hoje daquilo que lhe dão


Ele chama-se Fernando e cruzei-me acidentalmente com ele quando tirava umas fotos no meio da natureza, onde havia uma casa em ruínas. Vá-se lá saber porquê simpatizamos com a cara um do outro e ele convidou-me para aparecer lá em casa e beber um copo. Percebi que ele vivia naquela casa em ruínas e era um sem abrigo. É de origem Africana e tem mais de cinquenta anos.

 Estava em casa e aquele episódio não me saia da cabeça. Tinha de ir visita-lo. O meu instinto falou mais alto e do inconsciente veio a mensagem: "Sai da tua zona de conforto. Vai lá ter com ele!" 
 Foi preciso chegar aos 47 anos para começar a distinguir as vozes que nos falam... esta vinha de lugares de tons azuis e lá fui eu.
Antes passei pela mercearia do Indiano (porque raio não consigo decorar o nome dele?) e comprei uma cerveja de litro. Na mochila ja levava dois copos, e fiz-me à estrada.
Da minha casa à casa dele são mil metros e como a noite está tropical, faz-se bem pela orla do rio.

Quando me aproximei da sua moradia, outrora uma casa de gente Burguesa, ouvi musica. Sei que tocava GNR, mas não me lembro do nome da musica... também não é relevante. Se fosse Xutos, lembrar-me-.ia.

- Boa noite! - Gritei.
Nao responderam. 
- Boa noite! - Insisti.
- Oi! entra aí - Respondeu a voz do outro lado.

A casa não tem portas, apenas uns panos que ele colocou para se proteger do frio e sabe-se lá mais do quê.

Entrei na casa dele. O raio a pilhas tocava musica dos anos 80 (bem alto) e iluminação provinha apenas de uma fogueira que ardia. Em cima do fogo estava uma lata. "Estou a fazer frango para o jantar", disse ele.
- Obrigado por me convidares para vir a tua casa - Redargui.
-Senta-te ai - Disse ele, tirando o pó a uma cadeira antiga que ele tinha para ali.

Saquei a litrosa da mochila e disse-lhe: "não vou demorar. Apenas vim beber uma cerveja contigo, porque decidi aceitar o teu convite.
Fizeste bem... - redigiu , enquanto mexia o frango dentro da lata.
Brindámos a ...uma amizade!

Olhei em redor e percebi que a casa ( ou o que resta dela) não tem parte do tecto, e a parte que se conserva, pode ruir a qualquer momento. 
- Há quanto tempo vives aqui? 
- Há dois anos.
- Como conseguiste safar-te durante o inverno?
-Safei-me bem. Uns dias piores, outros melhores.
- Nao tens família?
- tenho a minha mãe, mas onde ela vive há muitos bêbados e eu não curto...

Confesso que fiquei sem perceber, mas também achei que não devia de estar ali tipo repórter da CMTV, por isso não insisti. Estava ali para beber cerveja na casa de uma pessoa que me tinha convidado, e como se ele adivinhasse os meus pensamentos, declarou:
- É bom ter amigos que apareçam.Desculpa lá esta confusão...
- estou aqui porque me convidaste. Nao quero saber se és pobre ou rico, se és preto ou branco... quero é saber se tens comida todos os dias.
- Tenho, tenho...
- Vais à Cruz Vermelha? 
- Vou, sim. -  Anuiu. - A merda disto tudo é não ter trabalho.
- Qual a tua profissão? -Inquiri
- Faço tudo o que me mandam... - Se mandarem eu varrer, eu varro. Se mandarem eu reparar um motor, eu reparo...
- Dias melhores virão, man. O importante é que estejas bem e não te falte comida...
 Voltámos a brindar.

Por fim despedi-me dele. Deixei-lhe algumas coisas que nao importa o que foi, e sai para o exterior da casa. Sentia o odor da fogueira na roupa mas what a fuck, pensei.
Desci a rua e em menos de 5 minutos estava com o rio à minha frente. Sentei-me num pontão e fiquei a contemplar a minha terra natal que se expunha a mim, a norte.
A única emoção que senti foi forte demais. 
Gratidão 
Gratidão 

Gratidão 

Gratidão 

Gratidão 

Gratidão 
Gratidão